Entrevista ao Eng.º Francisco Botelho
24-01-2011 18:12Entrevista Engenheiro Francisco Botelho, Administrador Executivo da EDA
1- Que investimentos estão a ser desenvolvidos no âmbito da produção de energias renováveis?
O plano de investimentos em curso do Grupo EDA, que abrange os próximos cinco anos (até 2015), irá investir cerca de 100 milhões de euros em aproveitamentos de energias renováveis, abrangendo geotermia, eólica e hídrica. Na geotermia, serão realizados investimentos nas ilhas de São Miguel e Terceira; na energia eólica, estão previstos novos parques nas ilhas de São Miguel e Faial e a ampliação dos parques das ilhas de Santa Maria, Terceira, Graciosa, São Jorge e Pico; enquanto na hídrica serão construídas novas centrais nas ilhas de São Jorge e Flores, bem como, nesta última, também a remodelação e automatização da central existente. A concretização destes investimentos permitirá maximizar para cerca de 50% a penetração de energia renovável nos sistemas eléctricos dos Açores e evitar a emissão de cerca de 164 mil toneladas de CO2 por ano que, somadas às 141 mil toneladas que já hoje são evitadas no processo de produção de electricidade através de recursos renováveis por parte do Grupo EDA, totalizará uma não emissão para a atmosfera de 305 mil toneladas/ano de gases com efeito de estufa.
2- Prevêem, entretanto, a realização de outros futuros investimentos?
Na senda do protagonismo no aproveitamento de energias renováveis que sempre marcou a história do sector eléctrico nos Açores (a nossa primeira central hidroeléctrica data de 1899, a nossa primeira central geotérmica é de 1980 e o nosso primeiro parque eólico é de 1988), o Grupo EDA está a acompanhar a evolução tecnológica de forma a encontrar soluções que permitam ultrapassar os actuais limites de cerca de 50% de penetração de energias renováveis. O grande problema que, hoje, se coloca é garantir a estabilidade da exploração dos sistemas eléctricos pequenos e isolados como os nossos quando existem elevadas produções de electricidade com origem renovável, por natureza instável e aleatória, em particular no caso da energia eólica, ou incapazes de responder às variações instantâneas da procura, como é o caso da geotermia. Quando for possível ultrapassar tais limitações, o objectivo do Grupo EDA é investir, ainda mais, em energias renováveis e, assim, cumprir o objectivo da política energética do Governo dos Açores de atingir 75% de renováveis na produção de electricidade até ao ano 2018.
3- Considera possível a auto-suficiência energética com base nas energias renováveis?
Primeiro, convém distinguir que “auto-suficiência energética” é muito mais que auto-suficiência de energia eléctrica, pois o consumo final de energia eléctrica é de apenas cerca de 20% do consumo energético. Os outros 80% são consumos de energia através do uso directo dos combustíveis fósseis, sobretudo pelo sector dos transportes e pelo sector da indústria. Neste momento e pelos motivos referidos na anterior resposta, ainda não é possível a auto-suficiência no sector eléctrico. Por outro lado, não podemos esquecer que há formas de energia renovável, como a eólica, hídrica ou solar, que não existem em permanência e que obrigam a que também se recorra a centrais termoeléctricas convencionais para fazer face às horas ou aos dias em que aquelas não estão disponíveis, pois todos queremos ter energia eléctrica continuamente. Quanto à auto-suficiência energética em geral, a situação é ainda pior, pelo menos enquanto não for utilizada em grande escala uma solução de mobilidade que não use obrigatoriamente combustíveis fósseis, como as viaturas eléctricas ou a hidrogénio, que permitiriam o consumo de energias renováveis. No caso dos Açores, é de referir o papel determinante que as viaturas eléctricas apresentam para a nossa auto-suficiência energética, já que 40% das nossas importações de combustíveis destinam-se ao sector rodoviário e já que permitiriam aumentar os consumos de electricidade à noite (se se privilegiar o carregamento das baterias nesse período, enquanto dormimos e quando a electricidade custa metade do preço), pois à noite a procura é actualmente muito baixa e isto limita o melhor aproveitamento das energias renováveis. A pequena dimensão territorial das nossas ilhas resulta numa necessidade média de deslocação inferior a poucas dezenas de quilómetros diários, perfeitamente satisfeita pela autonomia das actuais baterias de iões de lítio, o que tem levado a EDA a acompanhar muito de perto os desenvolvimentos que estão a ocorrer no mercado automóvel no âmbito da mobilidade eléctrica.
4- 4- Até que ponto é viável o investimento em baterias de elevada capacidade de armazenamento de energia, como meio de reserva e distribuição nas ilhas com produção deficitárias?
Ainda não está demonstrada a viabilidade, técnica e económica, da utilização de baterias para o efeito. A EDA está a acompanhar um projecto de demonstração da utilização de baterias de NaS de uma empresa alemã, que já construiu mesmo, em Berlim, um protótipo com a dimensão de 1/3 (um terço) do sistema eléctrico da ilha Graciosa, esperando-se que, após os resultados obtidos com o protótipo, se instale na Graciosa um sistema de baterias daquele tipo que, em conjunto com uma central fotovoltaica e com um novo parque eólico, permita-nos atingir uma média de 75% de produção eléctrica com origem renovável. Neste projecto, as baterias armazenarão energia eléctrica produzida em excesso nas horas de menor consumo e injectá-la-ão na rede nas horas de maior procura, optimizando o aproveitamento da energia solar e eólica.
5- Confirmando-se esta hipótese, para quando a sua concretização? E que montantes estarão envolvidos? E que considerações faz sobre o seu retorno?
A concretização do projecto atrás referido para a Graciosa está dependente da aprovação da ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, que actualmente regula o sector eléctrico em todo o país. Neste momento, o que podemos dizer é que a viabilidade económica do projecto está muito condicionada pela evolução futura do preço do petróleo no mercado internacional.
6- Temos conhecimento de que a EDA faz a regulação da energia através de volantes de inércia e massas girantes nas ilhas das Flores e Graciosa. Em que consistem estes meios e este processo?
Em síntese, os volantes de inércia (ou “flywheels”) são dispositivos que giram a grande velocidade, armazenando energia cinética que pode depois ser devolvida à rede na forma de energia eléctrica, em curtos espaços de tempo. Isto permite compensar as flutuações que ocorrem na onda de tensão, em particular quando existem formas de produção de energia eléctrica intermitentes, como a eólica. Embora com elevado custo, a experiência da EDA com esta tecnologia é muito positiva, contribuindo para que, no caso da ilha das Flores, durante algumas horas por dia e quando existe disponibilidade suficiente dos recursos hídrico e eólico, se consiga abastecer toda a procura de energia eléctrica exclusivamente através de energias renováveis. A EDA, com base nos resultados obtidos nas ilhas Graciosa e Flores, está já a analisar a viabilidade de introdução de volantes de inércia em outras ilhas do arquipélago.
7- Que alteração nos preços ao consumidor estão previstas em resultado destes investimentos?
Os preços de venda da energia eléctrica são fixados pela ERSE e não é previsível que os investimentos em energia renovável tenham impacto directo neles, pois, quando rentáveis, irão é permitir a redução da compensação que recebemos do Continente para termos os mesmos preços ao consumidor em todo o país. Tendo em consideração a nossa realidade de pequenos e isolados sistemas eléctricos, não são possíveis as economias de escala que se conseguem nos grandes sistemas interligados, pelo que o custo subjacente ao kWh vendido nos Açores é muito superior ao do Continente. No ano passado de 2010, se não existisse a compensação que recebemos do Continente, o preço médio de venda teria subido 68% nos Açores! Existindo uma diferença tão grande entre os elevados custos que realmente temos e os preços a que vendemos a energia eléctrica nos Açores, as renováveis que tenham rentabilidade económica apenas permitem reduzir aquela diferença e, por conseguinte, diminuir o valor da compensação que recebemos.
8- Acha que a auto-suficiência energética com base em energias renováveis poderia promover a região dos Açores no mundo?
Certamente.
9- Considera que o nosso projecto é pertinente e exequível?
Sim, quando forem encontradas soluções tecnológicas, técnica e economicamente viáveis, que permitam ultrapassar as limitações actualmente existentes. Neste sentido, o Grupo EDA procura estar permanentemente a par de tudo o que está a ser investigado sobre o assunto, em todo o mundo. Exemplo disto é o facto da tecnologia dos volantes de inércia, instalada nas ilhas Graciosa e Flores, ter chegado aos Açores vinda, literalmente, do outro lado do mundo, mais precisamente da Austrália.
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