Nova Entrevista ao Eng.º Francisco Botelho
03-02-2011 16:30Eng.º Francisco Botelho
- Que sugestões propõe para racionalizar o consumo - privado, industrial e público?
É impossível responder enumerando sugestões concretas pois, para cada sector de actividade, existem medidas específicas, algumas muito diferentes entre si. Genericamente, poderia dizer que, quando se pretender racionalizar os consumos energéticos, devemos começar por fazer uma auditoria energética, na qual se caracterize claramente as necessidades existentes e se identifiquem as soluções para as satisfazer o mais eficientemente possível. Para o efeito, encontram-se no mercado empresas e instituições que ajudam os consumidores, singulares e colectivos, nessas auditorias.
- Na sua opinião é possível e viável utilizar a biomassa nos Açores para produzir energia?
Em teoria, sim. Mas, na prática, o certo é que, até à data, todos os projectos que apareceram nessa área acabaram por não passar do papel. Embora não possua grande conhecimento na matéria, a viabilidade do aproveitamento da biomassa para a produção de energia eléctrica está muito dependente da dimensão da instalação (quanto maior, mais viável) e da existência de biomassa suficiente para a alimentar em permanência, durante toda a sua vida útil, exigindo um grande investimento inicial e um sistema bem organizado de abastecimento. Outro aspecto muito importante é o poder calorífico da biomassa utilizada, que pode igualmente ser determinante na viabilização do projecto.
- O município de Kristianstad, na Suécia atingiu a auto-suficiência energética a partir da produção de energia através da biomassa (ver o seguinte artigo https://www.ecodebate.com.br/2010/12/29/energia-com-miudos-de-porco-e-esterco-cidade-sueca-reduz-dependencia-de-oleo-e-carvao/). Acha que é possível os Açores seguirem esse exemplo?
Duvido que possa ser desenvolvido um projecto com as mesmas características entre nós, pois há uma diferença muito grande entre as nossas necessidades energéticas: as condições meteorológicas nos Açores são completamente diferentes e não precisamos dos níveis de aquecimento ambiente que Kristianstad necessita, o que lhes permite garantir um dimensionamento com melhores condições de viabilidade económica.
- Qual é o custo unitário da produção de um kWh de energia, tendo em conta a produção diferenciada por tipo de matéria - prima?
Os custos unitários de produção do kWh podem ser muito diferentes e dependem não só do tipo de energia primária utilizada mas também da dimensão das instalações de produção. Num grande sistema, como o europeu, podemos ter custos médios da ordem de 5 cêntimos de euro por kWh (gás natural, carvão), enquanto nos Açores a produção térmica de um kWh pode atingir, consoante a ilha, valores que vão desde o dobro até dez vezes mais do que aquele. Quanto à energia eléctrica com origem renovável e de acordo com os preços médios de venda actualmente praticados no Continente e nos Açores, varia entre os cerca de 7 cêntimos de euro por kWh e mais de 40 cêntimos de euro por kWh (microgeração fotovoltaica).
- A produção de energia na região é superior ao consumo. Como explica esse facto?
Na Região e em todo o Mundo a produção de energia eléctrica é sempre superior ao consumo, pois existem perdas nos sistemas, quer perdas técnicas (efeito de Joule), quer perdas administrativas. As empresas de produção, transporte, distribuição e comercialização de energia eléctrica procuram reduzir ao máximo as perdas, através de novos investimentos em centrais e redes mais eficientes, bem como com melhores procedimentos administrativos (redução de fraudes). Nos Açores, é notável a melhoria conseguida, pois, no ano de 1985, as perdas correspondiam a 20,3% da produção total e, no ano de 2009, já só representaram 8,7%! Se a eficiência do sistema eléctrico dos Açores continuasse com perdas de 20,3%, no ano de 2009 teria sido necessário produzir mais 95,9 GWh do que realmente foi preciso! Trata-se de uma poupança muito significativa, se nos lembrarmos que toda a produção eólica e hídrica nesse ano de 2009 foi de 53,5 GWh!
- Tem alguma previsão em relação à conclusão do projecto da empresa alemã?
Conforme já referido, a concretização do projecto da Graciosa está dependente da aprovação da ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos e a sua viabilidade económica está muito condicionada pela evolução futura do preço do petróleo no mercado internacional. Se a aprovação fosse feita hoje, seriam necessários cerca de dois anos para concretizar o projecto.
- Na entrevista dada por si, de 21 de Janeiro de 2011, publicada no Correio dos Açores, no 5º parágrafo está escrito “Em Novembro do ano passado a penetração de energias renováveis na ilha de São Miguel era de 43,7% e na ilha de São Miguel, na ordem dos 27,9%.” Podia esclarecer-nos?
A informação citada não foi prestada por mim. Penso que se trata de um lapso do jornal e que se queria dizer que, até Novembro de 2010, São Miguel teve 43,7% de renováveis e os Açores, no total, 27,9%.
- Considera que até 2015 o mercado de carros eléctricos irá expandir-se o suficiente que permita a descida do seu preço e o início da generalização do seu consumo? Ou seja, irão existir as condições necessárias para que se verifique a sua tese?
Gostava muito que assim fosse. Mas, como até agora, tudo está nas mãos do poder político e económico. Se a indústria automóvel apostar, de facto, no lançamento no mercado de automóveis eléctricos fiáveis e apelativos e os governos apoiarem a sua aquisição, numa fase inicial e até existir produção em grande escala, acredito que a mobilidade eléctrica vingue.
- Acha que a população irá aderir a este novo comportamento de consumo?
Nos Açores, devido às nossas reduzidas necessidades de deslocação e ao facto dos actuais automóveis eléctricos já terem autonomias por carga completa das baterias de 150 km, penso que sim, se os preços de aquisição baixarem (por redução dos custos de produção ou através de subsídio à aquisição). Por outro lado e não menos importante, percorrer 100 km num automóvel eléctrico custa cinco vezes menos (se se carregar a bateria entre as 22 horas e as 8 horas do dia seguinte) do que num automóvel a gasolina, para além dos custos de manutenção também serem inferiores. A grande dúvida que actualmente persiste é quanto à fiabilidade e durabilidade das baterias, que os construtores pretendem desfazer concedendo períodos de garantia longos (7 a 10 anos) ou alugando-as em vez de as vender com o carro, assumido assim eventuais encargos futuros.
- Quanto será a redução das importações de petróleo quando os 5,6% de carros necessários forem atingidos e a penetração renovável de 70%?
Em primeiro lugar e para responder correctamente, é preciso recordar, como aliás está escrito no artigo do Correio dos Açores, que os 5,6% de carros (2900) teriam de estar a carregar à noite, todos os dias. Só assim seria possível aumentar o consumo de electricidade à noite, todos os dias, e conseguir integrar no sistema eléctrico da ilha de São Miguel mais potência renovável (geotérmica). Um automóvel eléctrico actual carrega completamente a sua bateria em cerca de 8 horas, o que permite percorrer 150 km. Mas como quase ninguém anda 150 km de automóvel por dia em São Miguel, então, para termos, todos os dias, 2900 veículos a carregar completamente as suas baterias à noite, teremos de ter, na realidade, um número superior a esse. Se considerarmos que, em média, percorremos cerca de 10.000 km por ano, então, por dia (365 dias), percorreremos, em média, 27 km, o que exigiria que carregássemos o automóvel apenas de 5,5 em 5,5 dias (150/27). Ou, por outras palavras, para se ter, sempre, todos os dias, 2900 automóveis a carregar completamente as suas baterias, precisamos ter 15950 automóveis (2900*5,5), e não apenas os 2900 que, aparentemente e numa leitura menos cuidada do artigo, se poderia concluir como necessários e suficientes. Esclarecido isto e se considerarmos a mesma referida utilização média de 10000 km/ano, então, para um consumo médio de gasolina de 7 l/100 km, a redução da importação de gasolina seria de 11,2 milhões de litros, por ano. Mas a poupança na importação de produtos petrolíferos não seria só por aí, pois os automóveis eléctricos apenas consumiriam à noite e, durante o dia, a produção renovável que se instalou a mais iria substituir produção térmica. Assim, se se tivesse construído uma nova central geotérmica de 10 MW, poupar-se-iam ainda mais cerca de 6,5 milhões de quilos de fuelóleo, por ano.
- Tendo em conta a distribuição geográfica da produção de energias renováveis por ilha, nomeadamente a energia eólica, como conciliar a localização dos 2 900 carros eléctricos com essa produção diferenciada por ilha?
Como se pode ler no artigo do Correio dos Açores, a situação descrita corresponde à realidade da ilha de São Miguel. Para cada uma das outras ilhas, e este exercício ainda não foi desenvolvido, corresponderá um número de veículos eléctricos distinto e com impacto no sistema eléctrico da respectiva ilha igualmente diferente do exemplificado para São Miguel. Basta recordar o caso de uma das ilhas mais pequenas, onde não é possível viabilizar técnica e economicamente uma central geotérmica (que funciona 24 horas por dia, todos os dias do ano) e apenas existe disponível energia eólica e solar, para se perceber que, quando não existir nem sol nem vento e precisarmos de carregar as baterias, iremos recorrer a energia termoeléctrica, não se podendo então dizer que os automóveis eléctricos são 100% amigos do ambiente… Mas, certamente, no futuro, encontrar-se-ão soluções que permitam minimizar esse inconveniente, nomeadamente através da instalação de redes eléctricas inteligentes que, automaticamente, carreguem as baterias dos veículos quando há excesso de produção eólica e/ou solar, reduzindo ao mínimo possível o recurso à produção de electricidade com origem não renovável.
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